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Cria Corvos, Queria Histórias

Janeiro 22, 2013

 

Tenho um terrível defeito: gosto de histórias onde acontecem coisas. Não sei porquê, é defeito meu certamente, mas ler coisas em que a diferença entre o primeiro e o último capítulo resulta apenas no belo tricô gramatical e literário da genialidade do autor, não me apraz muito.

Assim, por vezes, tenho muita dificuldade em entrar dentro de uma certa nova ficção, seja escrita, seja cinematográfica, plataformas criativas que – não obstante irem beber aos clássicos, dizem sempre – enredam todo um conjunto de urdiduras existencialistas, expondo mais os novelos das inquietações do autor do que as linhas das personagens.

Acontece frequentemente, depois de ler um livro, sentir que gostei muito da escrita, mas ficar com aquela sensação de: sim, e depois?

Ok, o tipo (não é muito elevado designar assim a personagem principal, mas pronto, eu também, a nível de escrita, sou baixinho, baixinho) até podia andar amargurado com a vida, sem família, sem mulher para amar, apenas um engate de ocasião (sim, porque os heróis modernos nunca são país de família, com criançada aos berros e a ter que dar um estalo no mais novo porque lhe estragou o telemóvel), mas será que, ao menos, não conseguiam pô-lo a descobrir uma falcatrua, fugir da polícia, matar a vizinha acidentalmente, só porque queria dar uma traulitada no cão que não se calava, coisas assim, para uma pessoa se ir entretendo e ver como tudo evolui?

Não, são páginas e páginas, muito bem escritas, em que o homem inicial e o homem final estão rigorosamente no mesmo sítio, descontando as angústias pelo meio e uma série de personagens que vêm salpicar a narrativa mas que nem aquecem nem arrefecem. Muitas vezes, uma ideia que poderia dar um bom conto estica-se para romance. Um amigo meu, menos dado a enlevos semânticos, costuma dizer que andam a encher chouriços para darem um ar mais soberbo à cosa. Um outro meu amigo, mais desbocado, arruma logo o assunto, dizendo:

– Esses gajos não pinocam, depois não conhecem a vida e ficam, para ali, a fazer festinhas nas palavras, à falta de melhor. Dessem eles umas valentes pinocadas e verias como a escrita tinha outra lisura, era um despacho. Alguma vez, viste um fodilhão ser chato?

Resta-me acrescentar que este meu amigo reduz tudo na vida ao mínimo denominador sexual comum, ou seja, tudo passa pela cama, até as palavras. Não sei se será aparentado de Freud.

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Mas voltando à minha ladainha de gostar de enredo nas histórias, apesar de defeito meu, como já disse – a repetição também é uma forma de encher chouriços -, fico feliz quando vejo que os ditos clássicos, sempre tão invocados pelas altas esferas, escreviam romances com uma estrutura bem folhetinesca. Pois é, Eça, Camilo, Tolstoy, Victor Hugo (sem ser o Cardinali), Hemingway,  e por aí fora, no meio do enlevo literário rasgavam grandes histórias, que evoluíam capítulo a capítulo até um clímax final, retratando assim as épocas pelas acções das personagens e não pela reflexão em elipse do pensamento do autor.

Este terrível defeito acompanha-me desde miúdo. Lembro-me, inclusive, de ainda jovem, quando não gostava do final de uma série na TV, apanhar um caderno e rescrever aquilo tudo à minha maneira; ou então, quando gostava muito, escrevia para continuar a história que findara e da qual sentia um certo luto  – provavelmente, por menos, já muita gente se deitou num divã do psiquiatra, mas eu, como não posso viver acima das minhas possibilidades de saúde mental, faço-me distraído.

Assim, esta mania de querer que outros me contem histórias com alguns acontecimentos, também a apliquei nas minhas escritas; sim, porque eu não sou como muitos, que exigem dos outros a santidade e depois, por detrás das cortinas, são uns pecadores de primeira – quer dizer, a metáfora não foi lá grande coisa, pois pecado é quase o meu tipo de sangue (RH Pecaminoso, seria bonito), mas acho que dá para entender.

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Mesmo nas pequenas historietas que vou publicando por aqui, quer tenham 77 palavras, quer 7700, faço questão que entre o primeiro parágrafo e o último decorra um certo desenvolvimento, especialmente que a parte final desminta a inicial, embora isto seja mais porque eu sou um bocadinho mauzinho (eu avisei do RH) e gosto de mostrar um rebuçado para depois dar uma colher de pimenta. 

E a onde leva este fraseado todo – daqui a pouco estou eu a tricotar palavras em ponto cruz – com que vos brindo? A presentear-vos como mais um tipo de prosa deste escrevente.

Desta vez, perdi o tino, e trago um romance – Cria Corvos -, ou qualquer coisa parecida. Estando eu mais próximo do cordel do que do fio de nylon da alta literatura, atirei-me de cabeça a uma espécie de folhetim popular, baseado em pequenas histórias que se vão ouvindo ao longo do tempo como sombras dos lugares por onde passamos, e construí uma narrativa campestre em que só falta estender a toalha no chão e ouvir o gado pastar. Pode uma simples aldeia esconder mais acontecimentos escabrosos do que o Pentágono e a Casa dos Segredos juntos? Pode.

1corvos

Dada a sua extensão, está a residir numa página lateral deste blogue designada Romance. Claro que não coloquei a obra toda, basta, o que basta de padecimento. Olha-me este, pensa que alguém vai ler uma coisa incompleta! Bom, apenas editei a 1ª parte pois esta consegue ser lida como um macro conto ou mini romance, visto a linha principal da narrativa ser (quase) conclusiva.

Sem grandes revisões, apenas a de um olhar disléxico, atiro-me de cabeça com esta exposição. É quase como ir nu para a varanda; só espero não apanhar nenhuma pneumonia nem que passe alguma donzela pudica e comece aos gritos. 

2 comentários leave one →
  1. Maria permalink
    Janeiro 22, 2013 10:50 pm

    Excelente este seu texto, mas que sei eu, além de achar, como leitora ao longo da vida toda, que devia publicar? Mais vale ter graça que ser engraçado diz o povo. Gosto do estilo e só acredito em escritores que além de escreverem bem, tenham um estilo próprio .

    • Bau P permalink*
      Janeiro 22, 2013 10:56 pm

      Engraçado, só agora reparei que terminei o texto a dizer que vou colocar o Romance, quando ele já lá está. Quando ao publicar, nem os consagrados, quanto mais um mero amador. O tempo está mau para as palavras.

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